Vivendo num redemoinho: como meditar mesmo com a mente acelerada?
Como meditar em momentos de ansiedade
O cliente havia se despedido, mas a voz de Renata continuava reverberando dentro do peito, como se estivesse sendo julgada por um tribunal invisível.
Era começo de tarde e a cidade parecia suspensa, à espera de uma chuva que nunca chegava. O apartamento estava em silêncio, exceto pelo ronronar do ar-condicionado antigo e pelos sons espaçados da rua. Pela janela entreaberta, era possível ouvir o barulho de um entregador de bicicleta e o latido de um cachorro em algum prédio vizinho.
Na mesa da sala, ainda estavam os restos do café da manhã — uma caneca azul, meio cheia e já fria, e um prato com migalhas de pão integral. Ao lado, seu notebook fechado e o caderno de anotações onde costumava registrar pensamentos soltos. Mas hoje, não havia o que anotar. Apenas a angústia insistente de uma pergunta: "Por que eu falei daquele jeito?"
Horas antes, havia voltado de uma reunião com um novo cliente — desses homens que intimidam sem esforço, com aspecto sério e frases calibradas. E, mesmo que tudo tivesse corrido bem, aparentemente, ela saiu de lá com um desconforto grudado na pele. Uma frase que disse sem pensar parecia ter ganhado vida própria. Agora, a perseguia sem descanso.
— Então, Renata, você acha viável entregarmos a primeira versão até terça da semana que vem?
— Acredito que sim! — ela respondeu rápido demais, tentando soar confiante. — Só preciso organizar melhor o briefing visual, porque ele ainda está um pouco... bagunçado. Digo, não bagunçado — só... mais simples, talvez.
Houve uma pausa. Pequena, mas desconcertante.
O cliente sorriu de forma contida.
— Certo... vamos tentar manter o cronograma, então.
E seguiu em frente com os próximos tópicos, como se nada tivesse acontecido.
Mas, para Renata, aquela palavra — "bagunçado" — ficou latejando por dentro, como se tivesse revelado uma fragilidade inaceitável.
Lia, sua colega de estúdio, enviou um áudio dizendo que ela havia se saído bem. Que parecia segura. Mas a mente de Renata não acreditava. "Deve estar só sendo gentil", pensava. E enquanto a chaleira começava a apitar ao fundo, ela se perguntava se um dia conseguiria apenas… deixar passar.
Tentou seguir com o dia. Abriu o notebook, encarou a tela em branco. Tentou responder um e-mail simples, mas travou no meio da frase. A mente voltava sempre para a mesma cena. Não havia nada catastrófico naquela fala (não para os outros). Mas, para ela, era como se tivesse falhado em ser impecável.
Esse era o ponto. Não se tratava só daquela reunião, mas de tudo o que vinha antes. A necessidade de agradar. De ser compreendida. De nunca parecer "demais". Cada palavra era acompanhada de um cálculo invisível: fui clara? simpática? profissional o suficiente?
Sentia o corpo em alerta, como se algo grave tivesse acontecido. Peito apertado, ombros tensos, respiração curta. Tentava racionalizar: "Foi só uma conversa." Mas sua mente imparável contava outra história. Era como se aquela frase tivesse ativado algo antigo, lembranças de tantas vezes em que se sentiu fora do tom. Tantas vezes em que se calou para não errar. Ou que falou e se arrependeu depois.
Sentiu vergonha de estar tão abalada. Parecia haver dentro dela uma voz dizendo: "Você não devia sentir tudo isso." Mas sentia. Sentia demais.
Nos dias seguintes, mergulhou no trabalho. Entregas, prazos, revisões. Criou novas ilustrações, respondeu e-mails como quem tenta conter um incêndio. Ignorou os sinais: o corpo exausto, a cabeça pesada, a sensação constante de estar em dívida com algo — ou com alguém.
À noite, caía no sofá com o celular na mão. Reels em sequência. Gente calma dizendo "aceite o momento presente". Ela queria aceitar. Mas como aceitar, se tudo dentro dela gritava por conserto? Como?!
Tentou meditar. Duas vezes. Em ambas, saiu mais irritada do que entrou. "Não consigo", pensava. "Não sei fazer isso direito." Meditar parecia um privilégio de quem já nasceu com a mente quieta.
Foi numa noite de quarta-feira. O celular caiu das mãos trêmulas pela terceira vez no dia. O corpo estava inquieto. A mente girando. Agora era o corpo que pedia socorro: estômago embrulhado, mandíbula travada, dedos dormentes de tanto tensionar.
Ela tentou seguir a rotina. Acendeu a luz baixa, colocou uma playlist instrumental, sentou no tapetinho. Mas nem conseguiu fechar os olhos. Os pensamentos vinham mais fortes. Imagens da reunião, interpretações que nunca aconteceram, reações inventadas. Tudo ganhava volume.
Levantou. Foi ao banheiro. Encarou o próprio reflexo: um rosto pálido e olhar cansado. Respirou fundo. E então, ouviu um pensamento diferente, quase sussurrado:
"Eu não quero mais viver assim."
Não era um plano. Era só a verdade. Estava cansada de tentar consertar o que não estava quebrado. De não conseguir descansar nem dentro da própria cabeça.
Voltou para o quarto, sentou no chão, abraçou os joelhos e chorou. Era um choro contido, vindo de um lugar antigo. Sozinha, sem precisar parecer forte, entendeu que seu jeito antigo de lidar não servia mais. O que ela precisava não era se livrar dos pensamentos. Era parar de ignorá-los cada vez que eles vinham.
Com o tempo (e muita terapia), Renata desenvolveu recursos para lidar com esses gatilhos. Percebeu que o que mais doía não era a fala mal colocada da reunião, mas a velha ferida que ela cutucava: a de precisar ser perfeita para merecer ser amada.
Descobriu que a raiz da ansiedade vinha do medo de rejeição e do perfeccionismo. E que o que ela realmente precisava não era controlar as reações dos outros, mas se permitir não ser perfeita.
"Minha mente parecia um redemoinho — girando, levantando poeira e me deixando sem chão." Dizia ao seu terapeuta.
Aprendeu, aos poucos, que nem todo pensamento precisa de resposta — alguns só precisam ser observados e deixados ir. Como nuvens passando no céu. Como barulhos de fundo que a gente escolhe não seguir.
Passou a praticar três pequenas estratégias, que a ajudavam especialmente em dias como aquele:
Anotar o pensamento: "O cliente pode ter achado minha fala estranha."
Perguntar-se: "Tenho alguma evidência disso?"
Agir com intenção: se ainda se sentisse insegura, podia mandar uma mensagem breve e profissional, reforçando o alinhamento.
Desde pequena, aprendeu que ser amável, calma e inteligente era seu jeito de garantir afeto. Esse padrão silencioso ainda comandava sua vida. Cada reunião, cada conversa, cada tentativa de meditar… tudo atravessado pela crença de que precisava acertar.
Ao perceber isso, não houve mágica. Mas houve alívio. Porque, finalmente, ela parou de tentar se corrigir. E começou a se escutar com mais carinho.
Nos dias que seguiram, Renata não virou outra pessoa — mas começou a se tratar de um jeito novo.
Passou a meditar com a mente cheia, sim. Com pensamentos interrompendo, com sensações desconfortáveis aparecendo, com julgamentos internos espiando por entre as respirações. Mas ela não brigava mais com isso. Apenas dizia, mentalmente, como um mantra suave:
"Eu não preciso resolver tudo agora."
E repetia. Uma, duas, dez vezes, se fosse preciso.
E algo curioso aconteceu: conforme se disciplinava para organizar seus pensamentos, sua expressão artística também mudou.
Os traços antes rígidos deram lugar a linhas mais soltas. As paletas frias foram substituídas por cores vibrantes, como se algo dentro dela tivesse começado a ganhar mais cor e mais leveza.
Inspirada por esse novo fluxo, decidiu compilar os bastidores das suas ilustrações e reflexões em uma conta nas redes sociais, que chamou de: "Desbagunçando a Mente". O conteúdo viralizou entre jovens criativos.
Cá entre nós
Você também tem dias em que a sua mente não te deixa em paz?
Hoje foi um desses dias em que sentei para meditar e a minha mente não parava por um segundo. Fiquei ali, aceitando que a vida anda corrida demais mesmo, e observando meus pensamentos. E então, surgiram ainda mais pensamentos, questionando por que eu estava pensando em tanta coisa ao mesmo tempo.
Conheço meditadores com muitos anos de experiência que passam pelo mesmo. Ou você acha que a Monja Coen não tem dias de ansiedade também?
Todas nós passamos por esses momentos.
Uma reunião que terminou sem conflitos, ninguém disse nada de estranho, até elogiaram seu trabalho. Mas, mesmo assim, você volta pra casa com uma sensação incômoda no peito, achando que fez algo errado — e ainda não sabe exatamente o quê.
Você toma banho pensando na entonação da sua fala. Repassa mentalmente o jeito que a pessoa olhou. Se pergunta se devia ter dito menos. Ou mais. E, mesmo exausta, continua tentando decifrar uma situação que já passou, e inventando as próximas:
"E se não der certo? Mas, e se der certo? Puts, não tô preparada pra que dê certo. Eu ainda não estou pronta."
É como se uma parte sua acreditasse que, se pensar o suficiente, vai conseguir evitar uma frustração futura — uma crítica, uma rejeição, um afastamento. E então você pensa. E pensa. E pensa de novo. Inventa todos os cenários possíveis. Até não saber mais o que é real e o que não é.
Por que isso acontece?
Esse redemoinho mental que Renata viveu — e que tantas de nós também vivemos — não é só "pensar demais".
Na Psicologia, chamamos esse movimento de ruminação mental. É quando a mente fica presa em ciclos de pensamentos negativos, repetitivos e autocríticos, na tentativa de entender, corrigir ou controlar um evento que já passou.
A ruminação costuma aparecer com mais força em pessoas com traços de perfeccionismo, autocrítica elevada ou histórico de rejeição emocional. E o problema é que, quanto mais a gente pensa tentando resolver, mais distante da solução a gente fica.
O psicólogo e pesquisador americano Ethan Kross, autor do livro A voz na sua cabeça, explica:
"Podemos criar uma reação de estresse fisiológico crônico só com o pensamento. E, quando nossa voz interna alimenta esse estresse, isso pode ser devastador para nossa saúde." — Ethan Kross, autor do livro A voz na sua cabeça
A solução, então, não é silenciar a mente, mas aprender a observar os pensamentos com mais distância — como se estivéssemos do lado de fora, olhando com curiosidade, e não com julgamento. Essa mudança de postura reduz o impacto emocional dos pensamentos negativos e aumenta nossa capacidade de tomar decisões mais conscientes.
A médica e instrutora de meditação Regina Chamon, no livro Meditação e saúde: dos mosteiros aos consultórios médicos, traz uma imagem poderosa sobre como a meditação ajuda a acolher esse processo:
"Com certa prática de meditação, no entanto, é possível regular melhor a atenção e também transformar gradativamente o conteúdo do modo padrão, tornando os pensamentos menos automáticos, negativos e centrados em nós mesmos. Em seu lugar, surgem ideias mais empáticas e compassivas, além de modificar a narrativa emocional que temos sobre nós." — Regina Chamon
Ou seja: não se trata de calar a mente, mas de aprender a conviver com ela de forma mais gentil.
Como a meditação pode ajudar a organizar pensamentos
Se você já tentou meditar e pensou "isso não é pra mim, minha mente é agitada demais", saiba que isso é mais comum do que parece. Por aqui, escutamos essa frase praticamente todos os dias.
"Ao meditar, deixe a porta da frente e a porta dos fundos abertas. Deixe os pensamentos chegarem e partirem. Apenas não lhes sirva chá." — Shunryu Suzuki
A meditação, na verdade, é uma aliada poderosa justamente para quem sente que a mente nunca para. Por isso, quero compartilhar três formas pelas quais a prática pode ajudar a diminuir a ruminação mental — e como você pode começar mesmo em dias turbulentos:
1. Meditação ensina a observar sem se envolver
A meditação ensina a criar uma espécie de “espaço interno”, onde você aprende a observar os pensamentos como se assistisse a nuvens passando no céu. Você não precisa lutar contra eles, nem se identificar com cada história que aparece.
Como fazer isso na prática: durante sua meditação, imagine que seus pensamentos são como nuvens passando no céu, e apenas repita mentalmente: “Eu vejo esse pensamento. E deixo ele passar.” Mesmo que eles voltem, você pode recomeçar. A prática está justamente em voltar ao presente sempre que perceber que os pensamentos se intensificam.
2. A respiração ancora você no agora
Uma mente acelerada costuma viver no antes ou depois: “E se eu errar de novo?”, “Por que falei aquilo ontem?” Já a respiração está sempre no agora. E ela pode ser sua âncora. Focar na respiração por alguns minutos ajuda a estabilizar o corpo e a trazer o sistema nervoso para um estado mais regulado.
3. A prática repetida regula o sistema nervoso
Existem evidências de que meditação consistente muda o cérebro. Com o tempo, a prática fortalece áreas responsáveis pela atenção e pela regulação emocional, e diminui a ativação de regiões ligadas à ansiedade e ao estresse. Mesmo sessões curtas, feitas com regularidade, já geram mudanças significativas.
Na plataforma Serenara, você encontra a meditação Organizando seus Pensamentos. Se a você tem percebido a sua mente acelerada demais, essa prática é para você.
Além da prática guiada, existem muitos casos em que o apoio profissional se torna fundamental para lidar com situações mais intensas. Em Serenara, você conta com instrutoras de meditação certificadas que podem orientar você.
Com carinho,
Valentina
Referências
Ethan Kross – Chatter: The Voice in Our Head, Why It Matters, and How to Harness It.
Regina Chamon – Meditação e Saúde: dos mosteiros aos consultórios médicos.
American Psychiatric Association – Rumination: A Cycle of Negative Thinking.
https://www.psychiatry.org/news-room/apa-blogs/rumination-a-cycle-of-negative-thinkingFernanda Ribeiro – Como diminuir a ruminação mental.