
Isabela despertou com o som insistente do despertador às 6h45. Esticou a mão, ainda meio sonolenta, e procurou o celular para desligá-lo. Pulou da cama e correu para o banheiro, com a sensação de estar atrasada para o dia que começava. O quarto, apesar da bagunça habitual, parecia especialmente vivo: quadros com frases coladas à mão, um varal de luzes amarelas, plantas pedindo água, livros espalhados. Um espaço criativo e aconchegante, assim como ela.
Ao abrir a porta, estranhou o lugar. Faltavam móveis, objetos, e até a televisão da sala. O susto durou alguns instantes, até que se lembrou do que havia acontecido no dia anterior.
Durante oito anos, dividiu aquele apartamento com sua melhor amiga. Compartilhavam histórias, viagens, jantares improvisados, crises e madrugadas de insônia. Eram irmãs por escolha. Agora, a amiga seguia um novo caminho: outro bairro, outra rotina, outros sonhos. Tinha decidido morar com o namorado e, por isso, as últimas 24 horas haviam sido carregadas de despedidas.
Ainda sonolenta, diante do vazio, Isabela não apenas se deu conta de que a amiga já havia se mudado, levando alguns de seus pertences, como também percebeu que era feriado. Não havia pressa. Mas o sono não voltou. Preparou um café devagar e sentou-se no tapete da sala, inconformada com a falta que sentia de dias que não voltariam.
O prédio onde morava era antigo, com janelas largas e corredores cheios de histórias. Em um dos bairros mais movimentados da cidade, o som dos carros e dos comércios formava sua trilha sonora diária. Mas naquele feriado, o silêncio dominava. Não havia buzinas, nem o cheiro do pão da padaria, nem vozes na varanda. A cidade parecia ter tirado um dia para respirar.
De pijama, Isabela andava devagar pela casa. O silêncio amplificava tudo: o ranger do assoalho, o clique da chaleira, o zumbido dos próprios pensamentos. Os quadros da amiga deixaram marcas suaves na parede. O sofá estava mais torto e o porta-retratos, vazio. O incômodo daquele vazio era gritante. Sem pensar muito, postou nas redes sociais:
“Tenho uma vaga no quarto do meu apê. Se você conhece alguém legal, tranquilo e que goste de plantas, me avisa.”
Mas a pressa em ocupar o quarto ao lado não vinha de uma necessidade financeira. Ela não precisava se preocupar com as contas. Tinha uma família privilegiada e um emprego estável e bem remunerado.
Mais tarde, saiu para respirar. Caminhou até um restaurante do bairro, com mesas de madeira e cheiro de comida caseira. Costumava estar cheio aos fins de semana, mas naquele feriado, estava tranquilo. Sentou-se perto da janela e pediu o cardápio.
Na mesa ao lado, uma mulher chamou sua atenção. Cerca de 50 anos, comia sozinha e lia um livro de capa vermelha. Isabela observou o prato, novo no cardápio, e criou coragem:
— Esse prato é novo, né? É bom?
A mulher sorriu:
— É ótimo. Recomendo.
As duas eram as únicas sozinhas no restaurante. As outras mesas estavam ocupadas por casais, famílias, grupos de amigos.
— Você costuma vir aqui? — continuou Isabela.
— Sempre que posso. Gosto de ler meu livro, comer tranquila.
A resposta gerou despertou mais curiosidade.
— Você gosta de ficar sozinha?
— Gosto, sim. Se eu não gostar da minha companhia, quem vai gostar?
Ela fez uma pausa, deixando o silêncio preencher o espaço.
— Já fui casada, tive filhos, casa cheia. Meu marido se foi, meus filhos moram longe. Aprendi a gostar de mim. Porque, no fim, eu sou a única pessoa com quem vou conviver todos os dias, até o fim da vida.
Com uma expressão amigável, retomou a leitura do seu livro.
Mas Isabela guardou aquelas palavras, que continuaram ecoando por semanas. Percebeu que precisava aprender a estar com ela mesma. Não só conviver, mas se conhecer. Sentir-se segura e confortável em sua própria presença.
No sábado seguinte, foi ao cinema sozinha. No domingo, preparou um almoço só para ela. Durante a semana, reorganizou a casa, pendurou quadros, arrumou estantes. E, em cada gesto, entendeu que nunca antes havia ficado sozinha por escolha.
Vinda de uma família grande e cercada de amigos, Isabela sempre esteve acompanhada. E quando não havia ninguém, eram os podcasts, vídeos, músicas que faziam companhia. Estar totalmente sozinha era encarar um abismo imenso, e seu medo mais antigo: o do abandono.
Nos dias seguintes, o silêncio tornou-se mais confortável. Recusou ofertas para ocupar o segundo quarto e decidiu transformá-lo em um ateliê criativo, um antigo desejo que, agora, fazia sentido.
As próximas férias seriam um presente para si: 20 dias em um país distante, com uma língua desconhecida, vivendo apenas suas vontades e descobertas. Isabela estava pronta e animada para essa nova jornada.
Cá entre nós
Você também sente um desconforto sutil quando tudo ao redor se cala?
Temos medo de encarar o silêncio porque ele nos revela algumas angústias, vazios que não foram preenchidos e que precisam de mais elaboração. Porque quando o barulho cessa — das conversas, das notificações, das tarefas urgentes — aquilo que estava guardado começa a emergir.
O silêncio, muitas vezes, coloca luz em emoções e pensamentos pouco agradáveis. E, para muitas de nós, pode se tornar entediante e pouco produtivo.
Há muitos anos escuto mulheres que começam a meditar, mas se sentem desconfortáveis por, segundo elas, "ficar alguns minutos sem fazer nada". Para elas, prestar atenção ao barulho da sua mente é quase ensurdecedor. O incômodo é bastante compreensível: não fomos ensinadas a ficar a sós com nossos próprios pensamentos.
"Todas as coisas profundas e as emoções das coisas, são precedidas e acompanhadas pelo silêncio. O silêncio é, ao mesmo tempo, a coisa mais inofensiva e a mais terrível de toda a natureza." — Herman Melville
Talvez, como Isabela, você também esteja passando por um momento de transição. Pode ter perdido alguém, mudado de casa, encerrado um ciclo ou apenas percebido que precisa reorganizar alguma área na sua vida. E, no meio disso tudo, você se dá conta de que há mais espaço na casa e mais silêncio entre uma atividade e outra.
E então surgem aquelas sensações difíceis de nomear: um aperto no peito ao acordar, uma irritação repentina sem causa aparente, uma sensação de vazio que persiste mesmo com tudo "em ordem". Sem perceber, você se acostuma a evitar essas situações mais difíceis e as abafa com ruídos externos, como distrações, trabalho, amizades, festas.
A psicologia chama isso de evitação experiencial: a tendência de afastar ou reprimir experiências internas que nos causam desconforto, como medo, tristeza, raiva, culpa ou até mesmo o vazio. Em vez de permitir que essas emoções sejam sentidas, compreendidas e integradas, criamos mecanismos para silenciá-las ou desviá-las.
Isso pode acontecer por meio de distrações constantes, excesso de trabalho, autocobrança ou dependência de validação externa. O problema é que, quando negamos nossas emoções, não estamos nos protegendo delas. Com o tempo, esse esforço contínuo para não sentir cobra um preço: problemas em relacionamentos, altos níveis de estresse, tensão crônica, dificuldade de concentração, sensação de desconexão e até sintomas físicos sem causa aparente.
Por outro lado, o silêncio pode se tornar um espaço fértil para transformação — não apenas por seus efeitos imediatos, mas pelas experiências internas que ele desperta quando nos permitimos habitá-lo de verdade.
“Então, você vai descobrir que no silêncio habitam todas as mensagens que as nossas emoções nos contam, as nossas memórias mais íntimas, os segredos que custam a se revelar. E talvez isso seja o mais assustador: o silêncio revela informações que nem sempre estamos prontas para ouvir. O que não percebemos, é que ao tentar fugir do silêncio, do nosso silêncio, também estamos tentando fugir de nós mesmas.”
— Valentina Ortiz e Olga Ortiz
O que acontece quando você se permite ouvir o silêncio?
Quando acolhido com curiosidade e tempo, o silêncio deixa de ser ausência e passa a ser caminho. Aqui estão algumas coisas que podem acontecer quando você se abre para pequenos momentos de escuta silenciosa:
Emoções antigas emergem
No silêncio, o que estava abafado começa a subir à superfície. Às vezes, vêm tristezas guardadas, medos esquecidos, lembranças que ainda pedem acolhimento.Sua voz interior ganha espaço
Com menos ruído externo, sua intuição começa a falar mais alto. Pequenos sinais se tornam claros, decisões ganham mais verdade e você percebe com mais nitidez o que precisa, de fato. O silêncio afina a escuta daquilo que só você pode saber sobre si.Você aprende a estar com você
Em vez de correr para preencher cada intervalo, você aprende a habitá-los com gentileza. Descobre que o tempo pode ser mais lento, e que você não precisa estar sempre ocupada para ser valiosa. E, aos poucos, passa a encontrar aconchego na própria companhia.A criatividade se manifesta
Já percebeu como ideias surgem no banho ou em momentos de pausa? O silêncio é terreno fértil para que soluções, ideias e inspirações nasçam espontaneamente, possibilitando aqueles momentos de clareza que só acontecem quando há espaço mental.O silêncio comunica mais do que palavras
Em contextos sociais, relacionais, e até políticos, o silêncio pode ser mais poderoso do que discursos. Em algumas situações sociais, o silêncio é capaz de expressar respeito, resistência e presença com intensidade e reverência. Em conversas intimas, pode significar presença e abertura para diálogos mais profundos.
Como a meditação pode ser aliada
Se você deseja atravessar momentos desafiadores com mais apoio, segurança e profundidade, a meditação pode ser uma grande aliada. Diferente do que muitos imaginam, meditar não é esvaziar a mente, é aprender a observar os movimentos internos sem julgamento. É criar um espaço de escuta onde você pode se encontrar com aquilo que sente, com o que precisa, com o que ainda não conseguiu nomear.
Ao meditar, você treina a mente a desacelerar e o corpo a descansar. Aprende a se familiarizar com o silêncio e, aos poucos, a se sentir segura dentro dele. É nesse espaço silencioso que muitas respostas emergem, não de forma mágica, mas porque, finalmente, há espaço para ouvi-las.
É por isso que a prática que recomendamos para hoje é a meditação "Momentos de Calma", da plataforma Serenara. Ela foi criada especialmente para momentos em que o silêncio parece desconfortável ou distante.
E, se você quiser continuar se aprofundando no entendimento do silêncio, aqui estão duas recomendações que você pode gostar
“7 Hidden Advantages Of Being Silent” – YouTube.
Com carinho,
Valentina
Referências
Herman Melville. Pierre
7 Hidden Advantages Of Being Silent” – YouTube.
Why Silence is Power | Priceless Benefits of Being Silent” – YouTube.