Aperto no peito: O que fazer quando a tristeza que chega sem motivo?
Como acolher a tristeza

O céu da cidade escurecia devagar quando Marina girou a chave na fechadura. Lá fora, o vento arrastava folhas pela calçada e o ar trazia o prenúncio de uma chuva tímida. Marina entrou em casa com passos lentos, como quem pisa leve para não acordar a dor que carregava. Os saltos, antes elegantes, agora pareciam guardar o peso de semanas inteiras de palavras engolidas e emoções escondidas.
Largou as chaves na mesinha da entrada e deixou a bolsa escorregar dos ombros, repousando no sofá como quem, enfim, cede ao cansaço. O trabalho, que um dia lhe trouxe entusiasmo, agora era só um ciclo de tarefas automáticas — reuniões, entregas, prazos. Tudo perdia cor, dia após dia. Sua vitalidade escorria junto com os e-mails não lidos.
A filha estava na sala, desenhando com concentração. A babá organizava prateleiras com roupas e brinquedos. A casa, apesar de cheia, parecia mais silenciosa que o habitual. Na cozinha, Marina preparou um sanduíche simples, mas o sabor parecia ter desaparecido da sua boca. Sentou-se à mesa, pegou o celular, viu mensagens, notificações, emojis sorridentes. Mas não se sentia tocada. Era como se o mundo falasse uma língua que ela já não compreendia. Ou pior: como se tivesse esquecido como responder.
A dor era difusa, como uma névoa que se entranhava nos olhos e no peito: cansaço sem nome, solidão em meio a vozes conhecidas, e uma tristeza baixa, que se arrastava pelos cantos da casa como poeira esquecida. Era a ausência de sentido vestida de rotina.
A filha apareceu na porta com os brinquedos nas mãos e um sorriso largo: “Brinca comigo, mamãe?”. Marina retribuiu com um sorriso murcho, triste. “Agora não, meu amor... a mamãe tá cansada.” A menina baixou os olhos devagar, e Marina sentiu a culpa pesar sobre o que já doía.
Na pia, Marina tentava se ocupar lavando a louça. Mas os movimentos, antes automáticos, começaram a falhar. A água morna escorria pelos dedos quando os olhos embaçaram. Pequenos soluços vieram, como se o corpo dissesse algo que a mente insistia em calar. Uma tensão antiga subiu pelo peito e a xícara quase escorregou. Quando a primeira lágrima caiu, não foi surpresa.
Marina apoiou os cotovelos na bancada, tentando se sustentar. O peito doía de um jeito que não se explicava com palavras. Fechou os olhos. E no silêncio da cozinha, ouviu enfim aquilo que evitava há tanto: o esforço constante para ser eficiente, prestativa, incansável. Tudo aquilo que parecia trazer segurança agora pesava como uma prisão disfarçada de competência. O que a sustentava até então — produtividade, controle, força — começava a desabar.
O celular vibrou. Uma daquelas notificações automáticas da galeria: "Há um ano…" Era a foto de Bel, sua cadelinha por mais de dez anos. Bel, deitada no tapete, olhando a câmera com aquele amor genuino que só os cães sabem oferecer. Essa havia sido a última foto de Bel, que faleceu dias depois. Marina lembrou que a data da perda estava próxima.
Ela colocou uma música lenta, daquelas que embalam o coração. Pegou uma manta leve no sofá, sentou-se no chão com as pernas cruzadas, como fazia quando era criança. Chamou a filha, que veio correndo, curiosa e atenta. Sentaram-se juntas. Marina mostrou as fotos de Bel, uma a uma, enquanto contava as histórias: o dia em que a cachorra se escondeu dentro do armário com medo de trovão, a mania de pegar meias e levar para a caminha, o costume de dormir colada no pé da cama como se guardasse o sono da casa inteira.
- “Às vezes a gente sente uma tristeza que parece não ter motivo, né?”, disse Marina, com a voz trêmula.
- “Mas o nosso coração lembra do que a gente esqueceu. E tudo bem ficar triste.”
A filha não respondeu. Apenas se aconchegou no colo da mãe. De alguma forma, ela entendia que ali, naquele silêncio compartilhado, havia algo mais importante do que explicações.
Marina fechou os olhos e abraçou a filha com mais força. Pela primeira vez em muito tempo, não tentou esconder, nem apagar, nem explicar. Apenas deixou que a tristeza existisse — como Bel fazia quando se deitava aos seus pés em dias mais difíceis, oferecendo companhia.
Ela ainda não se sentia feliz, mas estava mais aliviada, reconhecendo todas suas partes, suas dores, suas emoções — por mais confusas que fossem. E sabia, com doçura e convicção, que no dia seguinte, a vida poderia ser melhor.
Cá entre nós…
Tem dias em que a tristeza chega sem avisar. Lá fora, o céu pode estar azul, a rotina começando a tomar forma, mas algo por dentro perde a cor.
O coração aperta, os pensamentos se embaralham, e até os gestos mais simples parecem exigir força demais. Você tenta seguir, cumpre o necessário, sorri por fora. Mas há um vazio que se insinua, sem nome.
É uma tristeza que não se justifica. Não há perdas recentes, crises explícitas, catástrofes evidentes. Às vezes, alguém até sugere: “deve ser só TPM”. Mas você sabe que não é só isso. Ela apenas… aparece.
E, talvez por isso, seja tão difícil acolhê-la. Fomos ensinadas a acreditar que toda dor precisa de uma razão. E quando essa razão não aparece, surge a culpa. “Será que estou exagerando? Tenho tantas coisas boas, por que isso ainda me pesa?”
Você já passou por isso? Já se questionou se a sua dor era válida, por não ter uma razão clara? Se você já se fez esse questionamento, se já duvidou da validade do que sente só porque não achou uma explicação racional, estou com você.
Essa tristeza sem aviso, muitas vezes, é o acúmulo de pequenas dores ignoradas. Frustrações que se empilharam, nostalgia de um tempo distante, ou saudade de alguém. Em muitos casos, ela é apenas o corpo dizendo: “para tudo, por favor. Eu preciso de descanso.”
Eu mesma já pedi a conta das vezes que chorei sem motivo aparente quando, na verdade, só estava muito, muito cansada. É uma reação instintiva do meu corpo pedindo um pouco mais de atenção.
Essa tristeza que chega sem motivo aparente pode, na verdade, ser um sinal de que o seu sistema interno está sobrecarregado. De acordo com o conceito da janela de tolerância, desenvolvido pelo psiquiatra Dr. Dan Siegel, nosso cérebro e corpo funcionam melhor quando estamos dentro de um intervalo emocional no qual conseguimos pensar com clareza, tomar decisões conscientes e lidar com o que sentimos de forma regulada.
Mas, em momentos de estresse contínuo ou emoções acumuladas, podemos ultrapassar esse limite — seja para cima, num estado de agitação intensa (hiperativação), ou para baixo, num estado de apatia e desligamento (hipoativação).
Quando estamos hiperativadas, o corpo entra em modo de alerta máximo: o coração acelera, os pensamentos disparam, sentimos uma inquietação constante, ansiedade, irritabilidade e dificuldade de focar. Por outro lado, quando mergulhamos na hipoativação, é como se o corpo simplesmente desligasse para sobreviver. Sentimos cansaço extremo, desmotivação, apatia e um desejo de desaparecer. Emoções como tristeza, esgotamento e desânimo aparecem.
A boa notícia é que podemos, com o tempo e com cuidado, ampliar essa janela de tolerância — e aprender a voltar ao nosso centro com mais gentileza.
Emoções não vêm com um rótulo, muitas vezes, mas indicam que algo dentro de nós precisa de espaço. As emoções podem ser reativadas por datas simbólicas, cheiros, músicas, ou mesmo por memórias que nem percebemos estar acessando conscientemente. O importante aqui é entender que todas as emoções são valiosas e necessárias.
A psicóloga Susan David, autora do livro Agilidade Emocional, nos ajuda a entender melhor:
“Não existem emoções boas ou ruins. As emoções são sinalizadores das coisas que importam para nós. Quando nos envolvemos com o desconforto que as emoções difíceis trazem, aprendemos mais sobre quem somos e desenvolvemos mais resiliência.” — Dr. Susan David. Vídeo: Build Emotional Agility, Avoid Burnout & The Dangers of Toxic Positivity
Isso quer dizer que até a tristeza sem motivo tem algo importante a revelar. Quando damos espaço a ela, sem pressa, sem julgamento, algo dentro da gente começa a se reorganizar. Aos poucos, o peso se transforma em aprendizado, em alívio, em presença.
Como acolher a tristeza com mais gentileza
A tristeza sem nome pode ser desafiadora. Ela não se explica, não se justifica, apenas aparece. Abaixo, você encontra três práticas que podem te ajudar a voltar para dentro da sua janela de tolerância e reconectar-se consigo, mesmo nos dias difíceis.
Acolha o que está presente, sem força ou pressa
Em vez de tentar entender ou racionalizar o que você está sentindo, experimente apenas estar presente e observar essa emoção. Sente-se por alguns minutos, feche os olhos e permita-se sentir, sem buscar explicações. Isso tira o peso da cobrança e abre um espaço de acolhimento real.
Deixe o corpo se expressar
Quando a tristeza aparece, temos o impulso de reagir: fugir, esconder, distrair. Mas o corpo precisa de espaço para sentir. Permita-se deitar no chão com uma manta, permanecer em silêncio, ou caminhar devagar sem destino. Movimentos simples, lentos e conscientes ajudam o sistema nervoso a voltar para o centro.
Permita-se sentir, depois escrever
Após acolher o que sente, experimente escrever por 5 minutos sobre o que está vivendo. Mesmo que comece com "não sei o que estou sentindo..." Deixe as palavras possam surgir sem censura. Jogue no papel o que está guardado em você. A escrita é uma ponte entre o sentir e o compreender. Muitas vezes, o que parece confuso se revela mais claro no papel.
Converse com alguém de confiança
Em muitos casos, falar sobre o que você sente pode ajudar a colocar para fora emoções confusas e a organizar seus pensamentos. Se você conta com uma pessoa próxima de muita confiança, criar um espaço de vulnerabilidade pode ser importante para lembrar que você não está sozinha.
Procure apoio profissional
Se essa tristeza silenciosa se torna recorrente, intensa ou começa a afetar seu dia a dia e relacionamentos, é hora de buscar ajuda profissional. Um processo terapêutico oferece um espaço seguro para entender com mais profundidade o que você está vivendo, acessar recursos internos e fortalecer sua saúde emocional. Pedir ajuda é um ato importantíssimo de coragem e autocuidado.
Com essas pequenas práticas, você não esconde e, muito menos, elimina a tristeza, Mas cria espaço para que ela se movimente, se expresse e, aos poucos, se transforme.
Como a meditação pode ser aliada
A meditação pode ser uma grande aliada em dias em que a tristeza chega sem nome. Ela nos convida a fazer uma pausa e a entrar em contato com o corpo, a respiração e os sentimentos. O objetivo não é tentar mudar o que sentimos, mas criar espaço e escuta. Quando meditamos com regularidade, vamos aprendendo a reconhecer nossas emoções com mais gentileza, diminuindo os julgamentos e fortalecendo a presença. Aos poucos, isso se traduz em mais clareza, mais calma e mais conexão consigo mesma.
Se você está passando por um momento assim, delicado e complexo, te convido para a meditação “Enfrentando a Tristeza com Compaixão” disponível na plataforma Serenara.
Esta prática foi criada justamente para dias assim, em que o mundo parece duro demais, e tudo o que o coração precisa é de um espaço para respirar. Nessa meditação, você será guiada com por uma respiração consciente, instruções acolhedoras e um convite à presença.
Você pode fazer essa prática deitada, com fones de ouvido, ou sentada num lugar tranquilo da casa. São poucos minutos, mas que podem ser o suficientes para aliviar o peito, organizar os pensamentos e lembrar: você não precisa passar por isso sozinha, nem resolver tudo agora.
Clique aqui para começar sua prática agora.
Com carinho,
Valentina
Referências
David, Susan. Agilidade Emocional: Abra sua mente, aceite as mudanças e viva com mais leveza. Editora Gente, 2016.
Susan David. Build Emotional Agility, Avoid Burnout & The Dangers of Toxic Positivity.
Teresa Lewis. Window of Tolerance and Emotional Regulation.